Banco Alimentar
No passado fim de semana fui como voluntária para o Banco Alimentar. Foi a primeira vez (o que é um bocado vergonhoso tendo em conta a minha já avançada idade) e até tive sorte pois fui parar ao supermercado Pingo Doce mesmo por detrás de minha casa (o que, diga-se de passagem, poupou uma grande parte do tempo que teria perdido em deslocações). Inscrevi-me para as tardes de sábado e domingo ficando a trabalhar em ambos os dias das 17h às 21h. Com um grande espírito positivo comecei o meu sábado. Conheci pessoas porreiras e estive em situações ligeiramente constrangedoras mas correu tudo às mil maravilhas.
Logo ao início, no meio de risos e muito divertimento, foi-me apresentada uma pessoa cuja cara não me era nada estranha. De dentes pretos, olhar seguro, alto, cabelo grisalho e comprido, uma grande barba e um ar muito sujo, foi-me apresentado o Teodoro (aparentemente um sem abrigo da minha zona). Olhou-me com um ar altivo e superior, deu-me completo desprezo e acho que nem sequer ouviu as minhas primeiras frases. Isto irritou-me logo profundamente e pensei cá com os meus botões: "Idiota do homem que é sem abrigo mas ainda se dá ao luxo de me olhar de lado!". Armei-me então em "amiga dos pobrezinhos", decidi fazer o sacrifício e dar ao Teodoro o privilégio de ser meu amigo.
Ao longo do dia fui conhecendo pouco a pouco a vida desta personagem estranha que só bebia "leite de vacas ruivas" (vinho portanto). Descobri que é romeno, que há 16 anos que vive em Portugal cujos últimos 8 têm sido passados na rua e que espera ansiosamente pelo dia 31 de Fevereiro. Acabou por simpatizar comigo e acho que até me começava a achar alguma piada. O dia foi-se desenrolando... Já para o final da tarde, depois de muitos sacos entregues mas também algumas caras que nem se deram ao trabalho de me responder, vejo um belo dum Tuareg entrar a 100km/h na zona e estacionar mesmo em cima da passadeira. De dentro do Tuareg, claro está, sai a boazona da tia com uns grandas saltos, unhas arranjadas, cabelo como se acabado de sair do cabeleireiro e mais "bling-blings" que o 50 cent. Pensei que agora sim iriamos ter uma boa contribuição... burra! Ao entrar chinelando nos seus sapatos Gucci, estendo-lhe o meu braço para lhe entregar um saco e com um sorriso pergunto-lhe: "Boa tarde, deseja contribuir para o Banco Alimentar?", ao que obtenho um sorriso de gozo e um "EU?! A menina deve estar "masé" a brincar!". Extremamente frustrada, desiludida e com vontade de lhe arrancar os "bling-blings" todos continuei a minha missão de entregar sacos... O dia seguiu-se, sempre acompanhado pelo desconfiado do Teodoro para quem já começava a não ter pachorra nenhuma. Às tantas este levanta-se e olha para mim, estende-me a mão e diz:" Dá-me um saco", ao que eu respondi: "Sabe que não se podem usar sacos fora do supermercado não sabe?", ao que ele me respondeu: "Ora, eu vou entrar. Tenho ou não tenho direito a um saco?". Lá me vi obrigada a dar-lhe o maldito do saco de plástico. Para meu espanto, com os poucos trocos que recebeu, o Teodoro foi comprar um pacote de leite que pôs dentro de um saco e entregou ao Banco Alimentar. Nem podia crer... Ele era o único que teria alguma vez a justificação para ser egoísta e não partilhar! Crise?? Mais crise do que isto não há e mesmo assim há espaço para dar aos outros.
Antes de me ir embora (de lágrima no canto do olho) o Teodoro chama-me para o lado, entrega-me uma flor e diz-me: "Porque tu és a menina mais bonita que já alguma vez conheci.". A minha alma estava parva! Privilégio tinha eu de alguma vez na vida ter tido a sorte de me cruzar com uma pessoa como o Teodoro.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Vergonhoso porquê? Está estabelecida uma idade minima para começar a ajudar ? É claro que não. Todas as idades são boas para se começar a interagir com a sociedade.
ResponderEliminarE logo com uma história de vida destas a da interacção com o Teodoro.
Desde já peço a autorização para, devidamente identificada a origem, e editada publicar este post no blogue onde escrevo porque acho que tem todo o cabimento.
A interacção e a ajuda à sociedade são cada vez mais necessárias e por isso quero transmitir-lhe os mais sinceros parabens pela nova etapa de vida.
Claro que sim, tenho todo o prazer em partilhar a minha historia com o maximo de pessoas possiveis. Aprendi imenso e gostava que tambem aprendessem com a minha historia.
ResponderEliminarMuito Obrigado o texto será publicado numa das proximas 6ªs feiras, ou dia 12 ou dia 19 e será prefaciado por mim. Este blogue será referido, mas a identidade da autora, embora sabendo eu quem é, será como evidentemente To Be Or Not To be.
ResponderEliminarPor questões editoriais do blogue o texto será publicado amanhã dia 9 as 17h00 e não na sexta.
ResponderEliminarSe quiser receber por mail uma versaõ pre publicação mande-me um mail para jr@rlmad.org
Como prometido http://a-partir-pedra.blogspot.com/2009/06/solidariedade-pura.html
ResponderEliminarSabes, nos meus movimentos dos últimos tempos pude observar que, normalmente, quem menos tem é também quem mais facilmente dá. Não sei por que acontece assim, mas tem o poder de nos tocar e de nos deixar a pensar...
ResponderEliminar